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Por Laura Lopes, membro da Presidência do CPPC

Hiroshima. Dia 6 de Agosto de 1945. Às 8 horas e 16 minutos, o major americano Thomas Ferebee lançava do seu avião a primeira bomba atómica, exactamente no centro da cidade, a mil e trezentos metros de altitude, quando milhares de cidadãos se dirigiam para o trabalho. No livro de bordo estavam escritas quatro palavras: “Drop first atom bomb” (lançar a primeira bomba atómica). Após o lançamento foi acrescentada mais uma: “Good” (óptimo).

Uma explosão medonha ressoou levantando-se uma imensa nuvem primeiro amarela, depois cinzenta, em seguida azul e por fim negra. Fez-se total escuridão enquanto o fogo alastrava destruindo tudo, queimando vivas as pessoas que se encontravam até mil metros do epicentro da explosão. Em cerca de um raio de dois quilómetros as pessoas ficaram queimadas, com as roupas em farrapos e a pele das partes do corpo não cobertas caindo em pedaços, os rostos inchavam até cegar, envoltas em chamas fugiam desvairadamente procurando as águas do rio. Em poucos segundos a onda de choque destruiu 60% da cidade. Confundidos com o pó da terra mais de 10.000 edifícios. Hiroshima deixara de existir. Pereceram imediatamente quase cem mil pessoas e aproximadamente cento e cinquenta mil gemiam entre os destroços.

 

Três dias depois, sobre a cidade de Nagasaki, a aviação dos Estados Unidos lançava a segunda bomba atómica que provocou semelhante número de mortos e feridos e destruições.

Em virtude de doenças atómicas, provenientes das queimaduras e irradiações, morreram até ao fim de Dezembro (1945) um total de 190 a 230 mil pessoas: 130.000-150.000 em Hiroshima e 60.000-80.000 em Nagasaki. Passados 37 anos, em 1982, ainda existiam perto de 400.000 vítimas de Hiroshima e Nagasaki (Hibakushas lhes chamam no Japão), muitas sobrevivendo com terríveis mutilações e sofrimentos. E morriam anualmente dezassete mil.

Os dirigentes de Washington, sem qualquer necessidade sob o ponto de vista militar pois o Japão estava à beira da derrota, experimentavam nesse dia 6 de Agosto de 1945 a nova arma de extermínio massivo, que abriu caminho à mais criminosa expansão armamentista.

Estando pois o Japão praticamente derrotado pelos exércitos soviéticos em consequência de, desde a Conferência de Teerão em 1943, os Aliados Ocidentais terem pressionado a URSS para que interviesse contra a grande potência do Oriente – qual foi o intuito dos círculos militaristas americanos em usar a bomba atómica sobre Hiroshima? O presidente Truman quando a “bomba” estava quase pronta no Centro de Investigações de Los Alamos, em conversa com o seu Ministro da Guerra, Stimson, chamou-lhe o “triunfo da diplomacia”.

Que a intenção de Truman estava voltada não para o Japão mas para a União Soviética demonstram-no os seguintes factos:
- O primeiro teste da bomba ocorreu precisamente a 16 de Julho de 1945, véspera do início da Conferência de Potsdam entre a URSS, os EUA e a Grã-Bretanha, durante a qual as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial iam discutir, e discutiram, os fundamentos e objectivos da evolução pós-guerra;

- No quarto dia da conferência, ou seja no dia 20 de Julho, o presidente americano recebeu um relatório confidencial detalhado sobre o sucesso do ensaio atómico realizado no deserto do Novo México, tendo no dia 25 o próprio Truman e Stimson dado ordem para o lançamento da bomba atómica que, só devido às condições atmosféricas desfavoráveis, não se efectivou;

- Após ter recebido a informação sobre o ensaio atómico, Truman, à saída de uma sessão da Conferência, “confidenciou” a Staline que os E.U. tinham concluído uma “nova arma de um poder de destruição jamais visto”.

No entanto informara primeiro Churchill. A deliberação então tomada por Truman e Churchill sobre tal evento tinha primeiramente por objectivo fazer desaparecer a perspectiva de uma guerra longa e custosa. Churchill disse: “Estas visões de pesadelo desapareceriam doravante”. Mas acrescentou: “Já não teríamos necessidade dos Russos”. Escrevendo ao seu Ministro dos Negócios Estrangeiros declarou: “É claro que os Estados Unidos não desejam mais ver os Russos tomar parte na guerra contra o Japão”. No pensamento e projectos de Churchill não se vislumbra qualquer ideia de não ser utilizada “a bomba”. Pelo contrário, a bomba deveria abreviar “misericordiosamente” o massacre no Oriente e abrir “perspectivas muito mais sorridentes na Europa”. “Os Britânicos”, revela ainda Churchill. “tinham dado o seu consentimento de princípio ao emprego da arma no dia 4, antes da realização da experiência”. Mais tarde, o Presidente Truman dos EUA afirmaria que o uso da bomba atómica servira “para abreviar o fim da guerra, de modo a salvar milhões e milhões de vidas”.

Porém, em Abril de 1945, a União Soviética tinha denunciado o seu tratado com o Japão. E, respeitando o compromisso tomado com os aliados ocidentais, iniciou a concentração de forças militares no Extremo Oriente a partir do início de Maio. “Uma onda contínua de tropas russas...”, disse Churchill. Estranhamente – ou talvez não... – a insistência dos EUA e do Reino Unido para que a URSS entrasse na guerra não diminuiu mesmo durante a Conferência de Potsdam. O Exército Vermelho teria de se defrontar com 1.200.000 homens formados em várias frentes. Após a distribuição das suas tropas no terreno a URSS declarou a guerra ao Japão em 8 de Agosto passando ao ataque no dia seguinte, data em que os Estados Unidos lançaram a segunda bomba atómica no Japão.

Mas já a 12 de Abril daquele ano de 1945, pouco depois de ter chegado ao poder em consequência da morte de Roosevelt, Truman dizia: “Os Russos muito em breve serão postos no seu lugar, e os EUA assumirão o comando do mundo”.

No entanto, a delegação soviética em Potsdam não estava disposta a ceder à chantagem atómica e as negociações continuaram com a maior firmeza por parte dos soviéticos como se nada de excepcional tivesse acontecido. Esta atitude fez cair os planos das potências ocidentais, que visavam rever o já anteriormente acordado (Conferência da Crimeia) sobre as regulamentações relativas à paz na Europa. Assim, os representantes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram forçados a aprovar, no dia 2 de Agosto de 1945 (4 dias antes do lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima), as disposições dos Acordos de Potsdam, marcadas de uma importância decisiva para o futuro do Continente Europeu. As três potências colocavam fora da lei o fascismo e o militarismo alemães; dissolviam o partido nazi e todas as suas estruturas e proibiam a constituição de organizações semelhantes que lhe pudessem dar continuidade; decidiam desmantelar os”cartels” e os “trusts” alemães agressivos; decidiram também fazer aplicar aos criminosos de guerra nazis o castigo que mereciam; e, por fim, fixavam a fronteira alemã da Polónia sobre os rios Oder e Neisse.

Derrotada em Potsdam a política dominadora dos Estados Unidos, a administração americana sentindo-se forte pela posse da bomba atómica empenhou-se em provocações constantes contra a União Soviética, que marcaram todo o período de guerra fria da década de 1950. Em 26 de Agosto deste ano, num discurso publicado no “New York Times”, o ministro da Marinha norte-americano, Matthews, declarou: “Para salvaguardar a paz, deveríamos estar prontos a pagar qualquer preço, mesmo o de provocar uma guerra...”. E o general Anderson, director da Escola Superior de Guerra Aérea, disse que ficaria feliz se pudesse bombardear a Rússia, “quando eu um dia me apresentar diante de Jesus Cristo, creio que lhe poderia demonstrar que tinha salvado a civilização” – “New York Times de 2.9.50.

Quando a URSS construiu a sua primeira bomba atómica em 1949, a Humanidade foi afastada, por um longo período, do perigo de uma guerra mais devastadora e criminosa que todas as anteriores. Relembremos que em Hiroshima morreram em poucos segundos cerca de 100.000 pessoas e ficaram feridas outras tantas muitas das quais pereceram em poucos dias. A URSS quebrou o monopólio atómico norte-americano e levou, por este facto, a que alguns dirigentes políticos e militares do imperialismo se tornassem mais realistas.

Não foram as bombas atómicas que derrotaram o Japão. Hiroshima e Nagasaki eram pequenas cidades pacíficas sem qualquer interesse estratégico. Mas sim a organização e impetuosidade das forças militares soviéticas que atacaram os exércitos japoneses nas diversas frentes, por terra, mar e ar ao mesmo tempo. Aqui e ali os japoneses vão capitulando perante a “onda contínua de tropas russas” a certa altura já apoiadas pelo exército popular chinês, forte com os seus novecentos e dez mil homens, a que se juntou a milícia popular de mais de dois milhões de combatentes. No entanto, antes de capitularem, os militares japoneses mandaram destruir tudo aquilo que pudesse revelar uma agressão premeditada contra a URSS e, principalmente, segundo os soviéticos, os preparativos de uma guerra bacteriológica.

Tal como na Alemanha nazi, os dirigentes japoneses pensavam que para evitar o pior seria conveniente capitular perante os Anglo-Americanos. Assim o tentaram no dia 10 de Agosto, deixando a União Soviética de fora. Todavia os Aliados Ocidentais rejeitaram a proposta japonesa exigindo a capitulação sem condições. Como consequência desta atitude dos Anglo-Americanos e da determinação do Alto Comando Soviético que declarou que continuaria a guerra enquanto os japoneses não depusessem as armas, o Governo japonês caiu, não sem antes se esquecer de dar ordens ao exército para queimar as bandeiras, os retratos do Micado e os documentos militares. Muitas personalidades do Governo, antigos ministros, militares e criminosos de guerra suicidaram-se. Era o dia 15 de Agosto. Expulsos ou submetidos os japoneses em todas as frentes, com focos de resistência de alguns grupos militares até ao dia 30 de Agosto, o desarmamento do exército japonês terminou com a ocupação da China do Nordeste, a península de Liao-Tung e a Coreia do Norte até ao paralelo 38, e as ilhas Curilas. Os japoneses perderam cerca de 700.000 homens, entre os quais 609.176 prisioneiros incluindo 48 generais e almirantes. A acta de capitulação foi assinada no dia 2 de Setembro de manhã, 24 dias após o início das operações militares do Exército Soviético, que conduziram à derrota do Japão.

O interesse de Truman na utilização da bomba atómica não fora, como disse cinicamente, o de ”salvar milhares e milhares de vidas” mas o de a brandir como uma vantagem política estratégica no pós-guerra contra a URSS. Existiam no entanto outros motivos: continuar as pesquisas e estudos sobre o poder da arma atómica, testando-a em corpos vivos. Para este efeito, as autoridades americanas enviaram equipas médicas para Hiroshima e Nagasaki onde, à força, recolheram amostras de sangue das vítimas da bomba e pedaços dos corpos afectados pelas queimaduras e irradiações, para os submeter a pesquisas patológicas. Com o fim de prosseguirem em plena liberdade esses estudos e pesquisas sobre as consequências da deflagração das bombas atómicas, a Administração Truman manteve como segredo militar a situação de milhares de vítimas da bomba A. Além de queimaduras profundas em todo o corpo provocadas não apenas pelo fogo mas também pelas elevadas temperaturas irradiadas (que chegaram a atingir mais de 4.000 graus C, pelo que muitos corpos ficaram carbonizados), os sobreviventes começaram a apresentar sintomas estranhos: prostação, náuseas, vómitos, febres altas, diarreia, queda do cabelo, hemorragias. Sem lhes prestar qualquer assistência ou tratamento médico, mulheres, homens e crianças em atrozes padecimentos foram usados pelos americanos como animais.

Mais tarde os Hibakushas foram atingidos por outras doenças graves derivadas das irradiações atómicas sofridas, como bronquite asmática, úlcera gástrica, hepatite crónica, reumatismo das articulações, alta pressão sanguínea, tumores cerebrais, cancro, leucemia e esclerose geral incurável. O internamento frequente no hospital faz parte das suas vidas. Devido às consequências genéticas das irradiações atómicas, os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki abandonaram a ideia de casar ou decidiram não ter filhos.

Em razão do segredo militar, os dirigentes políticos dos Estados Unidos não permitiram que fossem prestados socorros e auxílio às vítimas de Hiroshima e Nagasaki pela Cruz Vermelha Internacional que se propusera fazê-lo.

Recordar, no 70º aniversário do bombardeamento, Hiroshima e Nagasaki, é hoje, mais que nunca, um aviso e uma obrigação.
É tempo de exigir a completa proibição e eliminação das armas nucleares. É urgente que exijamos o fim dos testes, pesquisas, desenvolvimento, produção e armazenagem de armas nucleares – lê-se no “Apelo de Hiroshima e Nagasaki” de Fevereiro de 1985. Porque “A Humanidade não pode coexistir com as armas nucleares”. Estas palavras, decorridas dezenas de anos, mantêm uma assustadora actualidade. Se então eram conhecidos os países que, para além do chamado Clube dos Cinco, possuíam armas nucleares, hoje a sua disseminação é tal que se torna ímpossível controlar a sua existência e saber quem as possui. Ao uso de uma arma nuclear corresponderá uma resposta igual. Será a destruição da Humanidade. Já em 1946 o grande sábio alemão Albert Einstein fez um apelo acerca da ameaça atómica: “Só quando tivermos alcançado clareza no nosso coração e na nossa compreensão é que encontraremos a coragem de ultrapassar o medo que domina o mundo”.

A situação internacional na Europa e no Mundo modificou-se profundamente devido ao desaparecimento dos países socialistas europeus. Mas a política agressiva e de expansão imperialista dos EUA não foi alterada. Na actualidade, com o apoio frequentemente explícito da União Europeia. E de novo o “perigo vem do Leste”. Depois da submissão da Ucrânia aos ditames da UE e da subversão fascizante conduzida pelo seu governo, aquela região à beira da Rússia transformou-se num paiol fortemente guarnecido de armas sofisticadas e de forças militares da NATO. E os EUA possuem na Europa importantes bases militares e armas nucleares. Esforços a nível internacional são urgentemente necessários para alcançar para sempre a proibição de armas nucleares, para que todos os Estados renunciem ao emprego da força militar, para que se formem zonas de paz em diversas regiões do Mundo. As armas nucleares deveriam se reduzidas gradualmente até à sua completa liquidação.

Li algures que um cientista, perguntado se após uma guerra nuclear a Terra poderia reviver, respondeu: “Sim. Se não existir o Homem”. Lutemos para que o Homem continue a existir ... apesar dos crimes contra a Humanidade que foram Hiroshima e Nagasaqui.

NOTA
Os elementos referentes às bombas atómicas foram colhidos nos seguintes documentos:
HIBAKUSHA – Editado e publicado por NIHON HIDANKYO (The Japan Confederation of A – and H – Bomb Sufferers Organizations);
Report from Nagasaki – On the Damage and After–Effects of the Atomic Bombing – publicado por Nagasaki Preparatory Commitee for International Symposium on the Damage and After-Effects of the Atomic Bombing of Hiroshima and Nagasaki